É urgente falar sobre homoparentalidade
Quem somos nós? O que é a vida? E se amássemos sempre o próximo? Como seria, a vida, se nunca nada tivesse mudado?
Voltemos atrás. Voltemos muito atrás. Aos dias em que éramos a preto e branco, aos dias em que éramos divididos por géneros e os géneros eram divididos por regras, em que a guerra eram os nossos dias, em que havia quem pudesse trabalhar e quem devesse ficar em casa. Aos dias em que não havia liberdade de expressão, em que o género era o core da nossa existência, em que não havia divulgação de informação. Aos dias em que não existia nada para além de pequenas e aleatórias descobertas.
Paremos. Respiremos.
Voltemos agora ao futuro. Parece distante, não é? Quem nos dera termos existido para que pudéssemos dizer-lhes que a vida era mais. Quem nos dera termos sido informação. Somos seres humanos recheados de tanta coisa... e que têm a capacidade de aprender a expressar-se, a evoluir, a nascer, a renascer, a lutar, a falhar. A aprender, a amar. E se amássemos sempre o próximo? Tanto e de tal forma que tudo seria sempre uma linha crescente, em permanente evolução?
Foquemo-nos na parentalidade; o que é a parentalidade? Para além de se referir a um conjunto de funções e atividades desenvolvidas por um cuidador, com vista ao saudável e pleno desenvolvimento da criança, é também expressar, evoluir, nascer, renascer, lutar, falhar, aprender e amar.
Quem merece a paternidade? Quem merece decidir quem merece a paternidade? Independentemente do género, quando dois seres humanos decidem ser pais, há um cruzamento de amor. Nasce com eles, ao décimo mês, a capacidade para enfrentar os desafios do que é ser-se de corpo e alma. Do que é ser-se, em conjunto.
A família é um pedaço importante e crucial na nossa vida, e a verdade é que todas elas têm realidades diversas na sociedade atual. Se por um lado temos a família tradicional, composta por um casal heterossexual e os seus filhos, por outro, temos famílias monoparentais ou homoparentais. Falamos de homoparentalidade quando nos referimos a famílias constituídas por casais do mesmo sexo com crianças a seu cargo. Isto acontece em casos de adoção conjunta por parte de um casal de pessoas do mesmo sexo, co-adoção de um filho biológico do companheiro do mesmo sexo, procriação medicamente assistida a um casal de mulheres, ou ainda casais de pessoas do mesmo sexo em gestação de substituição.
Atualmente, uma família é, principalmente, uma rede afetiva, consistente e estável, de partilha saudável e, sobretudo de amor, sediada num espaço seguro denominado “casa”, havendo muitas formas de construir essa mesma casa.
Num mundo em constante evolução, sabemos que, possivelmente, existem argumentos contrários, no entanto, há diversos estudos e factos advindos de organizações internacionais que têm revelado, de forma consistente, que não existem quaisquer impedimentos para o bem-estar e desenvolvimento saudável, natural e cognitivo de uma criança que possa resultar da homoparentalidade. Sabe-se ainda que esta é uma realidade em crescendo, no país e no mundo, e tem vindo a ser alvo de estudo e de legislação dia após dia. Em Portugal, estas alterações legais tiveram um forte impulso com a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, em 2010 (Lei n.º 9/2010 de 31/05), ainda que se mantivesse a impossibilidade de adoção em casal e o recurso às técnicas de procriação medicamente assistida se encontrasse limitado às situações de infertilidade. Contudo, esta realidade veio a modificar-se em 2016, com a publicação da Lei n.º 2/2016 de 29/02 que eliminou as limitações e interdições anteriores. Afinal, onde há amor, há tudo.
Então e, como seria a vida se nunca nada tivesse mudado? Ainda éramos a preto e branco. Não havia mistura de cores, e, por isso, ainda não conhecíamos o arco-íris. Ainda existia quem pudesse trabalhar e quem devesse ficar em casa, a guerra ainda pintava os nossos dias, ainda não havia liberdade de expressão. O género ainda era o core da nossa existência. Mas felizmente, a vida mudou. E é urgente continuarmos, juntos, a evoluir e a deixar surgir espaço para mudar, para aceitar, para normalizar, para desconstruir o mito e o medo. Para libertar o preconceito e dar espaço à vida para que ela aconteça à medida daquilo que somos. Também por isso é urgente falar sobre a homoparentalidade, porque, tal como outras transformações a que assistimos, esta é mais uma forma de dar espaço à vida e ao amor.
É urgente sermos mais.
É urgente sermos um.
Numa perspetiva de evolução e inclusão, importa reforçar que o décimo mês chega a todas as famílias, e há, neste espaço, espaço para todas elas. No final, pretendemos evidenciar o que aqui é fundamental nos mais variados contextos e formas: a família e, sobretudo, o amor, porque:
“O amor é uma possibilidade uma vida inteira, e se acontece, há que recebê-lo.”
José Saramago
Fontes:
A homoparentalidade à luz do Direito Português: https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/28542/3/A%20adopcao%20homoparental%20a%20luz%20do%20Direito%20Portugues.pdf
Pensar a Homoparentalidade em Portugal: Perceções de jovens adultos perante a adoção de crianças por casais homossexuais masculinos:
https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/85350
Pensando a Homoparentalidade: Um Estudo Qualitativo com Jovens Adultos Portugueses sem Filhos: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722020000100505